segunda-feira, 29 de maio de 2017

A VIDA COMO UM RIO

NOS TRILHOS DAS ÁGUAS 

Sem motivos aparentes, sem aviso prévio aos desprecavidos normais, surge no meio do quase nada, em um lugar qualquer, um fileto, um marejo, um minúsculo broto de água em busca do vento na cara. Um rebento que sai em busca de conquistas, sonhos, realizações, quais não constam nos escritos das aventuras do tal. Quando este desperta deixa o cume e desaba pondo a sua marca, seu rastro no torrão onde passa. Obstante, por sua miudeza, até uma folha pode ser um obstáculo. É aí que sua audaz vontade de descer acumulada lhe permite superar passando por cima ou contornando-o o que lhe impede de segui. A causa desta vontade é a busca de ter o sol na cara ou simplesmente se permitir ser naturalmente natural.
Ninguém sabe onde esta pequena corrente vai. Ela própria não sabe. Ela vai sem pretensões maiores. Tudo o que busca é vagar sem ter o rumo certo e realmente ter a luz do sol na testa. Ela se faz o sujeito de seu próprio destino, como peregrino vaga a fim somente de ser o que é.
Ao longo de seu caminho outros filetos que marejam em sua volta correm (desabam) com o mesmo tom quando surpreendidos por um desfiladeiro que os tornam UM. Um único, um fio, uma corrente. Agora aqueles que formaram este já podem ser notados com mais destaque e seus rastros são profundos, os seus murmúrios já podem ser ouvidos a passos de distancia.
Agora o lugar da folha é ocupado por uma pedra que lhe faz resistência ao caminho. Do mesmo modo, este acumula forças sem intenção de remove-la, mas, de superar-se a si mesmo contornando-o por um lado ou por outro. Em ambas as circunstâncias faz bem a fluidez, pois este corre, não para recuperar o tempo perdido, é só um jeito de comemorar. Até o seu murmúrio de festa é ouvido mais longe.
A esta altura já não vive só para si. As raízes das arvores que lhe contornam são lançadas para mais perto do seu discreto leito para suster a vitalidade. A este ponto já são filetos, mais, filetos que se uniram, é chegada a hora da decisão. O destino os uniu e agora são alvos do mesmo destino sem  dramas. 
A procura de acomodações, de ser o que é, gota em gota  vão ficando de lado até formar um enorme lago, pântano, brejo, como queiras chama-los. Alguns olheiros diram que foi por acidente, e é um erro não lutar para seguir em frente, pois ali não tem vida. No entanto elas permanecem ativas, criam o seu próprio dinamismo. Algumas sementes que lhes cercam, nascem e crescem abundantemente. Este seu estado não é ruim. Alguém pode até dizer que é apenas uma poça de lama, porém, este seu estado poderá abreviar o seu renascimento. Elas não ficam somente por ficar, ficam por sua realização.
Neste ponto da aventura, do fluxo, já temos uma boa corrente. Ao seu alcance crianças e adultos pulam, brincam, divertem-se até esquecerem-se do tempo. E assim sai cortando vilas, vales e matas. Sendo abrigo, caminho, matando sede e fome.
Tudo acontece de improviso. Assim, como o primeiro fio, todas os outros que buscavam seu caminho se encontram por acaso. Ambas tiraram forças para superar todas as dificuldades encontradas na via. Mesmo nos impasses aceitaram ser companhia de modo que cresceu o ciclo de relação e isto tornou-os forte e insuperável por qualquer obstáculo. Aqui encontramos um RIO, um rio da vida.
A trilha agora é profunda. Sendo rota de destino para muitos vai além de expectativas primarias. Seu caminhar segue. E a cada novo passo toma novo vigor e sua grandeza torna-se majestosa. Em comunhão, todos, em seu caminho encontram a uma recepção que lhe envolve pouco a pouco até que se percebem sucumbidas pela imensidão do MAR. Mar da existência que lhe abraça e o faz ser como todos os filetos. Embora seu caminho tenha sido diferente, seu destino foi o mesmo. E tudo aconteceu em seu próprio caminho.
Quem ficou, quem foi, fez o seu certo, foi natural. Agora pode desbravar o infinito na agitação ou calmaria.
Dizem que as pessoas inconstantes são como as ondas do mar: morrem na praia. Uma onda não morre na praia. O contrário: se realiza. De longe ela junta suas forças e ao chegar simplesmente se entrega, se joga, derrama... Ser testemunha de um fenômeno assim grandioso é estimulante. A onda ao perder sua força não fica frustrada. Ela volta e se refaz até conseguir beijar a praia. Ela faz tudo por um beijar eterno, por sentir o calor, o abraço aconchegante da praia que acolhe sem fugir, sem fingir. Depois que esta atinge a sua realização, deixa a sua marca, deixa sua essência embeber a areia e agora são um. São dois em um. Ninguém consegue ver que tornaram eternos amantes. Para um olhar simples é um mero morrer na praia. Para eles é encontrar o seu destino e viver intensamente o momento presente.
As vezes somos onda, as vezes somos areia da praia. Quando onda, buscamos uma praia que não sabemos se ela nos espera. Quando praia, esperamos uma onda que não sabemos quando chegar. Mesmo sem saber se viveremos a plenitude de um encontro, continuaremos indo, continuaremos esperando.
A grandeza de cada ser está em si. A sua bravura o faz forte. E assim, enquanto chegam as duvidas de em qual estação estamos, concluiremos que podemos, que pode ser sempre a estação de um recomeço.
Agora, como um ser diferenciado, façamos os cálculos e nos ponhamos como as tais gotinhas que emergiram de um lugar sem ao menos ser notado. Qual é a nossa marca? Quais são os espaços que irrigamos a fim de que produzam frutos? A quem saciamos a sede?

Em nossos dias possamos superar folhas, pedras e qualquer obstáculo em nosso caminho. Na poesia do viver superemos os nossos próprios limites e nos tornemos navegantes em nosso próprio existir.

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